Aprender pela reciprocidade

Traduzi e adaptei livremente a entrevista da cientista da educação Claire Héber-Suffrin, feita por Gilbert Longhi. "Reciprocidade" é uma palavra tão preciosa! Desfrute a leitura.

A co-fundadora da Reciprocal Knowledge Exchange Networks, Claire Héber-Suffrin, foi professora ligada ao movimento Freinet. Doutora em Ciências da Educação, hoje ela é professora e formadora. Seus dois últimos livros (até 2016) acabam de ser publicados: "Aprender pela reciprocidade: reinventando abordagens educacionais em conjunto", bem como "Ferramentas para
aprender por meio da reciprocidade: liderar redes de trocas recíprocas de conhecimento".

Você escreve que alunos, pais, professores, profissionais, artistas e artesãos, etc. são todos portadores de conhecimento a serem compartilhados a fim de aprendermos juntos. Os professores podem aprender com seus alunos? E eles querem isso?

Em qualquer caso o professor aprende com seus alunos, porque ele aprende "para seus alunos". Isto é, preparando-se para o ensino, perguntando-se sobre o conteúdo que deve transmitir ou que os alunos devem construir, o professor mobiliza seu próprios conhecimentos e lacunas em relação a estes conteúdos. Na necessidade de reforçar esses conteúdos ele decide sobre as abordagens pedagógicas necessárias para ensinar. Logo, ele aprende acompanhando, reformulando, se surpreendendo com perguntas não publicadas. Adaptando-se a "aqueles alunos", ele considera o conhecimento transmitido a partir de seus olhares, dúvidas e experiências. Por fim, é respondendo às perguntas dos alunos que o professor reformula, completa, combina e vê de forma diferente. Esse processo de indagação docente contextualiza o conhecimento em jogo de uma maneira diferente, seja para buscar outro conhecimento, seja para ver o nascimento do desejo de aprender. Por essas mesmas razões propomos que exista a reciprocidade, "a oferta de conhecimentos". Ela também é vivida pelos alunos entre si, que dessa forma passam pelos mesmos processos de indagação, análogos aos que passa o professor.


O professor aprende "com" seus alunos?

Sim, porque eles estão aí, presentes. Mas só haverá aprendizado quando se está atento às suas falhas, dúvidas, sucessos, aproximações, intuições, transposições. O professor aprende assim, vivendo com e para eles. Assim se constrói a profissão docente e a forma de se praticá-la, reajustando-a constantemente. O professor aprende para desenvolver sua profissão e também evoluir. Isso é o que dizemos quando falamos sobre a reciprocidade de papéis: temos visto alunos, provedores de conhecimento, compreendendo melhor seu professor, suas expectativas e métodos, justamente por que eles, alunos, "ensinaram". Também vimos professores entenderem melhor como poderiam melhorar seu ensino, refletindo sobre sua própria maneira de aprender quando estão em situação de aprendizagem.

Se um professor considera-se um "professor-pesquisador" ou "um pesquisador-praticante", conforme recomendado por Jean Le Gal do Movimento Freinet, ele pode aprender com os alunos por meio de um projeto de aula: como uma viagem educativa, a produção de um livro, uma exposição ou um espetáculo. (...) Ou mesmo com o meio ambiente (país, bairro, cidade, etc.). Há uma Rede de troca recíproca de conhecimento quando se compartilha conhecimentos sobre a vida de um projeto. Alunos aprendem uns com os outros ou aprendem o uso de ferramentas juntos (por exemplo, quando conhecem ferramentas de informática). Sabemos que os alunos recebem, cada vez mais, muitas informações de fora da escola, sobre formas de fazer as coisas. São conhecimentos que eles adquirem em outros momentos de sua vida. Ao se tornar um "professor-pesquisador", o professor "transmite o que é", ensina seus alunos a tornarem-se "estudantes-pesquisadores"!

Eles querem isso?

Este é o possível obstáculo! Alguns já querem, mas outros não desejam essa abordagem de reciprocidade preconizada por essas Redes. Vamos evitar confusões: não se propõe que o professor "finja" não saber, para então "pedir que os alunos expliquem". Obviamente, em todo o conteúdo do programa, o professor sabe muito mais que os alunos. Não estamos dizendo que essa disparidade cognitiva não exista, isso seria ridículo! Não podemos culpar os professores por saber ou ter o poder. Nós só podemos convidá-los a tentar. Tentamos evocar em nossos livros alguns desses obstáculos: medo de perder autoridade, mau compreensão do projeto ou sensação de não ter tempo, por causa de um programa onde o foco é o aluno "fazer".

Sabemos que a escola não é, meramente, um sistema escolar ou o instrumento de uma política, uma instituição congelada onde a competição, a seleção e a classificação normativa reinam. Apesar disso: como fazer avançar na aprendizagem a reciprocidade, a reinvenção educacional e uma troca harmoniosa de conhecimento?

Reconhecidamente, é muito comum dizer que a escola é ambivalente. Ela é abertamente encarregada de produzir elites, mas anuncia que quer democratizar o acesso ao conhecimento. Com certeza na escola reina a competição e a classificação normativa. Mas, cientes de que estamos aprendendo e temos know-how para questionar, estamos desenvolvendo uma mente crítica. Aprendemos o sistema e seus valores. Na verdade, é uma escolha política propor um sistema baseado na reciprocidade e cooperação. Assim podemos ser pessoas unidas, alunos pesquisadores e cidadãos cooperativos, dispostos a compartilhar seus conhecimentos. E que saberão buscar o conhecimento necessário em redes sociais heterogêneas. Além disso, saberão que a heterogeneidade é uma chance de aprender, dialogar, debater, tornar as análises mais complexas. A reciprocidade se concretiza no respeito mútuo, quando não há dominação.

Nesse caso, o que acontece com a autoridade do mestre? Como ficam sua superioridade disciplinar e sua expertise na transmissão de conhecimento?

Por que ele perderia sua expertise na transmissão de conhecimento? Ele irá além disso: aumentará sua expertise na forma de ensinar, na busca pelo conhecimento, na capacidade de aprender com os outros sempre e em toda parte. Seus alunos perceberão isso. O professor aumentará a sua expertise, experimentando diferentes situações para si mesmo, colocando-se em
trocas recíprocas de conhecimentos profissionais com outros professores e até com seus alunos. Falemos em "ter autoridade": se o professor essencialmente transmite o que ele é (como sabemos e Jean Jaurès tão bem afirmou) isto não acontece apenas por seu conhecimento disciplinar, mas também por sua capacidade de oferecer uma estrutura reguladora e emancipadora. É essa estrutura que permite que cada aluno experimente aquele conhecimento "que pode ser buscado", que "está sendo construído ". Logo, quem é mais experiente é respeitado. E esse respeito nós fortalecemos compartilhando. Reciprocidade é um convite para o compartilhamento de habilidades interpessoais. Todos os professores, sejam rigorosos ou criativos, exigentes ou solidários, podem testemunhar que sua autoridade não é prejudicada? A autoridade é melhor enraizada no respeito do que no medo, no desejo de aprender mais do que no se preocupar com sanções. Mais na busca por novas formas, nos benchmarks, do que no querer impressionar.

Você acha que a reciprocidade pode dar esperança a uma empresa em um futuro duvidoso, tornando possível construir um movimento social e cultural que trabalhe para o bem comum. Isso não é um excesso de pedagogia? Não é como dizer que as desigualdades sociais e as reproduções delas serão vencidas, como por encantamento, através da aprendizagem mútua?

Não estamos dizendo que é como por "mágica". Afirmamos que há efeitos de melhoria quando aplicamos a pedagogia da reciprocidade. Esta é uma abordagem de campo de longo prazo, emocionante, mas difícil de viver e trazer à vida em equipes. É um procedimento a ser vinculado aos portadores de concepções, práticas e abordagens, para dar esperança de uma sociedade mais unida onde todos podem aprender, ser reconhecidos e contribuir para o bem comum. São palavras pomposas, é claro! Mas não pode haver excesso de pedagogia! "Pedagogismo" já é uma palavra quase insultuosa para todos que se preocupam com a aprendizagem de "todas" as crianças. Nenhum apoio para o aluno ter sucesso é "muito"! Pode haver erros, isso é inevitável, mas estar ciente disso ajuda a seguir em frente. Que este apoio seja diretamente do professor, de outros alunos ou resultado de situações educacionais (pesquisa, projeto cooperativo, rede de conhecimento, etc.) oferecidos pelo professor.

Philippe Meirieu declarou recentemente que a democracia "é atribuída à pedagogia". Se acreditamos que a democracia é "preferível" a qualquer outro sistema político e que ela é uma construção social perpetuamente perfectível, podemos concluir que ela deve ser baseada na aprendizagem individual e coletiva. Logo, esse aprendizado deve projetar, apoiar, organizar, consolidar e perseguir a democracia. Não estamos dizendo que "apenas" mudanças na pedagogia podem mudar uma sociedade e combater as forças que organizam as desigualdades. A educação só tem que "fazer a parte dela", ajudar os cidadãos de amanhã a se formarem como cidadãos democratas unidos. Quando estava em Orly, em 1971, oferecemos a primeira rede de troca de conhecimento em meu curso. Foi a primeira da faculdade e do país, a gente sabia disso. Ao mesmo tempo, pela honestidade intelectual e coerência ética, tivemos que nos engajar como ativistas políticos, sindicalistas e associações que combatem as desigualdades. Isso é o que continuamos fazendo. O campo educacional não pode se ausentar dessa constelação de resistência, lutas e propostas.

Claire Héber-Suffrin publicou seu mais recente livro em 2021: "Poder de reconhecimento: o caminho da humanização recíproca".

Fonte: https://www.reseau-canope.fr/education-prioritaire/fileadmin/user_upload/user_upload/doc_dossiers_immersifs/TUTORAT_Apprendre_par_la_reciprocite.pdf