Ler em voz alta para seus filhos vai prepará-los para a vida toda (inclusive a vida escolar)
No curto espaço de tempo que compartilhamos em minha infância, meu pai lia pra mim. Lembro-me, de forma quase epidérmica, como sentava em seu colo, absorvendo os quadrinhos e cordéis que ele lia em voz alta. Não havia pensado nisso, até agora, mas esses momentos significativos devem ter traçado meu futuro e vocação.
Cresci, amadureci e casei. Não necessariamente nessa ordem. Quando Doroth, nossa primeira filha, começou a engatinhar, minha mulher consultava as orientações de um famoso pediatra. Ele ressaltava a importância de que os bebês vissem seus pais com um livro ou revista na mão. Preparamos então um cenário para esse imprinting behaviorista: espalhamos revistas no sofá e abrimos as mais vistosas diante do rosto. Em silêncio, fingíamos ler. Por sobre as revistas, estávamos atentos como tigres. Observávamos nossa presa, a bebê de um ano engatinhando inocente pela sala. Em dado momento, ela sentou-se e ficou nos observando. E então escalou o sofá, sentou-se ao nosso lado e abriu uma das revistas. De cabeça para baixo! Uma foto dessas seria maravilhosa, mas em 1992 não tínhamos celulares e economizávamos o dinheiro das revelações fotográficas.
Quer ajudar seu filho nesse processo aparentemente complexo que é a educação dele? atenda essa pequenina e poderosa dica: Leia pra ele em voz alta. Deixe o celular e tablet (dele ou seu) de lado. Abandone um vício para adquirir um bom hábito. Ler para seu filho estabelecerá um círculo virtuoso entre vocês e vai empoderar toda a vida escolar dele.
A dica não é baseada apenas em minhas memórias familiares. É um dado científico robusto. Em Março de 2018 a Academia Americana de Pediatria compilou 19 estudos, envolvendo mais de 3.000 famílias. O resultado é o artigo: "Efeitos psicossociais das intervenções de leitura de livros entre pais e filhos: uma meta-análise". Verifiquei estudos brasileiros similares, no meu mestrado em psicologia da educação. Lembro-me de histórias sobre o valor de ler em voz alta, inclusive para pacientes em coma ou terminais. Em meu doutoramento, entrevistei mulheres adultas que superaram uma infância vulnerável. Um dos elementos de resiliência era adultos que leram para elas. Mas não conheço um estudo pediátrico a respeito do valor da leitura no Brasil. Se conhecer, me indique, por favor.

As conclusões do artigo são:
- A leitura em voz alta melhora os sentimentos de competência dos pais. Pais que leem em voz alta para seus filhos sentem-se mais seguros em seu papel, mais próximos e mais maduros para intervir e disciplinar.
- A qualidade do relacionamento com os filhos melhora. E há uma sensível redução no estresse ou depressão dos pais.
- Ler em voz alta melhora o desenvolvimento cognitivo (pensar, resolver problemas, tomar decisões) da criança. Isso parece óbvio, mas há um ganho extra: problemas de comportamento ligados àsp dificuldades de aprendizagem diminuem. É um efeito semelhante ao já notado com famílias que sentam-se à mesa para jogos de tabuleiro. Em comum com a leitura: aumentam a concentração e a atenção.
- Ler em voz alta para a criança expande seu vocabulário e pode se traduzir em um avanço da alfabetização.
Os temas e ideias de livros enchem de poder a mente de uma criança. Albert Einstein, dizem, cunhou a frase "a imaginação é mais importante que o conhecimento". Os livros ajudam a criança a imaginativamente compreender o mundo. É um paradoxo interessante: livros estabelecem o contato da criança com o o mundo e também a conectam de forma alegre com seus pais.
O tempo vai passar e vocês migrarão, cada um, para a leitura silenciosa. Mas estarão conectados por toda a vida, por vezes lendo no mesmo cômodo. Se morarem em locais diferentes, vão trocar mensagens e entabular conversas profundas sobre romances e outras aventuras de leitura. No dia em que minha filha empreendeu a subida daquele sofá, ela içou mais do que os seus 70 centímetros. Ela se alçou à base inicial de sua escalada para a compreensão dos códigos do mundo. E de quebra, ganhou papai e mamãe como seus fiéis ouvintes e interlocutores.
Alguns alertas:
Paramos de ler para as crianças antes que elas queiram deixar de nos ouvir. Na Austrália, mais de um terço das crianças de 6 a 11 anos cujos pais pararam de ler para elas, queriam continuar. Me deu uma vontade de chorar...
Quer começar a ler em voz alta para seu filho? Veja as 7 dicas sobre como ler para seu filho bebê.
Quer saber mais? tenho uma palestra, enriquecida por anos de pesquisa: "Paixão pela leitura - Um retrato sobre a leitura no Brasil e dicas práticas de autoaprimoramento".